Santa casa de Piracicaba |
Dia 23 de maio de 2007. Morava eu em Piracicaba e todas as
manhãs dirigia-me ao trabalho, às vezes de carro, às vezes de ônibus. Do Jardim
Elite ao Algodoal era aproximadamente
meia hora de viagem. Cheguei ao trabalho, vários problemas a resolver, o
telefone tocando infinitamente, clientes querendo seus pedidos, eu acionando a
fábrica na busca de soluções. De repente uma forte dor no peito. Subo as
escadas com dificuldades e sento a minha cadeira. A dor desce pelo braço
direito. Sintoma detectado. Estava enfartando.
Peço socorro ao homem dos transportes, mas não tem nenhum
carro disponível na fábrica. Peço ao colega do lado para me levar até minha
casa. Ele prontamente me leva e no caminho a dor vai apertando, a vista
escurece, as imagens distorcem , assim
como as palavras que o meu amigo pronuncia. Chego a minha casa e aviso minha
mulher que estou morrendo. Ela chama a vizinha e me levam ao pronto socorro da
santa casa. Enfermeiros trazem uma cadeira de rodas na qual eu me sento e me
conduzem ao atendimento. Colocam-me sobre uma maca, cercado por mais dois ou
três doentes. Tiram meus sapatos, tiram
minha blusa, a correntinha do pescoço com o crucifixo pendurado. O médico
examina, colocam um enorme comprimido sobre minha língua, aplicam injeções. Uma
moça conecta-me eletrodos e realiza um eletrocardiograma. Um enfermeiro chega
próximo de mim e diz que está orando para me salvar. Dai ouço o médico ao
telefone: -paciente de 50 anos, preciso da sala do centro cirúrgico com urgência.
Uma leve pausa...um silêncio . Dois
homens se aproximam e conduzem minha maca pelo corredor afora...Passo por salas
cheias de gente que em observam. De repente vejo o céu azul, é me lembro que
aquela é uma manhã ensolarada de maio.. a maca e enfiada numa ambulância. O
veículo segue...Anda uns cinco minutos e depois para. Tiram a maca e novamente
eu vejo o céu azul. Depois um enorme corredor e o acesso a uma sala onde cerca
de cinco pessoas me aguardam, com suas máscaras. Conectam-me aparelhos, ouço
apitos...tiram minha roupa...estou completamente nu. O médico me
examina...sinto uma picada na coxa... imagens surgem numa tela...falam uma linguagem que eu não conheço...De vez em quando me
pergunta: - tudo bem seu Paulo ? e eu respondo que sim. Me dá explicações...Ja
detectamos o seu problema, agora vamos resolvê-lo. Ouço um leve apito...e tudo
some...por alguns segundos eu morri. De repente retomo os sentidos....todos
estão me olhando...me perguntam se eu estou bem e saem da sala. Uma única
mulher fica junto a mim e me explica os detalhes da ocorrência e do procedimento...
a primeira imagem, uma importante veia obstruída...Depois a imagem pós
procedimento...o sangue fluindo normalmente. Me avisa que eu tinha sido salvo..
explica porque eu me mantive vivo. Mostra o stendi (uma molinha) que havia sido
colocada para desobstruir a veia. Conduzem a maca e me levam para a UTI, onde
me colocam ao lado de uma senhora idosa que chora e lamenta sem parar...Ali eu
passo um bom tempo, até que o meu amor entra...Traz um sorriso triste nos
lábios e toca meu rosto...Conta-me que quando
lhe entregaram os meus pertences
ela pensou que eu houvesse morrido...Peço a ela para ligar para minha
filha e meus irmãos...Ela fica um tempo comigo e vai embora. Tenho um aparelho
de oxigênio no nariz e eletrodos conectados aos meus dedos e ao meu peito...De
vez em quando soam apitos e uma enfermeira corre ao meu
lado...Anoitece...percebo que já são altas horas...Um médico e uma enfermeira
sentados passam a noite ao meu lado falando de coisas banais... da viagem das
férias...do comportamento do filho...A mulher idosa , fala e chora e noite
flui...
No dia seguinte sou despertado pela presença da minha filha
que me abraça e me aperta a mão...Depois é minha enteada que entra e manifesta
um sentimento que jamais imaginava que ela sentisse por mim...Era importante
que eu permanecesse vivo.
Passaram-se mais cinco dias e eu recebi alta...antes tive
uma séria complicação pulmonar resolvida...Minha mulher me acompanhou na
saída...Sai andando e tomamos um taxi.. o rádio estava ligado e Zé Ramalho
cantava Chão de Giz...” No mais, estou indo embora baby...” Desde então essa
música virou o hino da minha vida...
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