Total de visualizações de página

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

A MORTE DO FILHO DO AGENOR

Vivíamos a década de 1960 no bairro da Água Doce no município de Tapiraí. Meu cérebro de criança, reteve o episódio e o guardou, talvez pelo grau de dramaticidade envolvido e agora o avançar da idade me faz relembra-lo. A atividade exploratória era á única opção de sobrevivência naquele sertão onde morávamos. E meu pai tinha as pessoas que o ajudavam nos serviços de madeira, carvão e palmito. Naquele tempo, empregados eram chamados de camaradas, não sei se por influência socialista ou simplesmente porque havia um espirito de solidariedade. Dentre os camaradas de meu pai havia um que se chamava Agenor. Ele tinha uns 5 filhos pequenos e morava numa casa de taipa coberta de guari canga com piso de chão batido e sua mobília era composta de um fogão de lenha, feito de barro , um cepo grande que servia de mesa, cepos menores que serviam de cadeiras. Dormiam em marimbas construídas de taquara-açu cobertas por colchões feitos com sacos de açúcar, recheados com palha de milho e capim. Aquele era o padrão de vida dos camaradas do meu pai. Num certo dia fomos surpreendidos pela notícia de que a mulher do Agenor tinha dado a luz a mais um filho, e que este filho havia nascido sem vida. Meu pai providenciou a chamada do carpinteiro que confeccionou o caixãozinho de madeira e o recobriu com um tecido branco. Na época não havia por aqui as urnas funerárias produzidas industrialmente. Passamos parte da noite na humilde residência do Agenor guardando o anjinho. Depois de uma certa hora, nós as crianças fomos dormir em nossas casa e apenas os adultos permaneceram ali. Na manhã seguinte fechou-se o caixãozinho e meu o pai o pegou e transportou nas costas até a beira da estrada de terra, e ficou ali aguardando que algum veículo lhe oferecesse carona e o transportasse até Tapiraí, para providenciar o enterro. Lembro-me bem de minha mãe repreendendo a meu pai pela ventura de querer seguir a pé os 10 quilômetros até Tapiraí, com aquele caixão de anjo às costas. Agora reflito sobre o episódio e faço a análise critica , revivendo o grau de pobreza daquela época. Não haviam condições habitacionais adequadas, nem saneamento básico. A assistência médica não existia, e as mães tinham seus filhos sem que nenhum médico as examinasse durante a gravidez. Os índices de mortalidade infantil e de mães durante o parto eram alarmantes e o poder público não fornecia nenhuma assistência naquelas situações. As dificuldades nas comunicações também eram extremas. Passados cerca de 50 anos deste episódio, me resta constatar que as condições de vida melhoraram muito no Brasil, porém as condições de sobrevivência econômica continuam precárias , no município de Tapiraí. A transformação do município em reserva ambiental inibiu a atividade exploratória, sem o surgimento de uma nova agenda de atividades que as tenha substituído. O ecoturismo que parece ser o caminho mais viável há 30 anos segue a passos de tartaruga, principalmente porque o poder público local até hoje não desvendou o caminho do sucesso. Que lutemos pois por mudar esta triste realidade.